Por Pedro Cassab
Instituída em setembro de 2019, através da Lei n. 13.874, a Lei de Liberdade Econômica responsável por instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica no país trouxe alterações significativas sobre os procedimentos a serem observados pelas autoridades da administração pública sobre os chamados atos de liberação de atividade econômica.
Em perfeita sintonia aos princípios da livre iniciativa e do livre exercício de atividade econômica, a Lei tem por finalidade colocar fim aos tramites burocráticos conhecido até então, alterando, em razão disso, os tramites internos dos atos públicos de liberação de atividade econômica buscando renovar a forma, garantindo maior transparência, agilidade e eficiência nos procedimentos.
Logo, no Setor Regulado de Saúde, autorizações, registros, certificações, certidões, dentre outros, considerados atos de efeito de liberação de atividade econômica encontram-se, por força do §1º do Art. 1, sob a égide da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; E, por disposição expressa do inciso IX do Art. 3º, devem ter: “a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que, transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei; (Vide Decreto nº 10.178, de 2019).”
Muito embora tal previsão ocorra no sentido de afastar a demora excessiva nas liberações de atos que refletem exercício de atividade econômica, o que se observa na pratica, dentro do Setor Regulado de Saúde, são procedimentos executados à mercê da legislação, em flagrante dissonância às diretrizes previstas não apenas na Lei de Liberdade Econômica, mas na Lei n. 9.782/99, Lei n. 6.360/76, Decreto 8.077/2013 e demais legislações aplicadas à regulação dos atos públicos de liberação de atividade econômica de responsabilidade da Anvisa.
Num primeiro momento, por se valer do §8º do Art. 3º da citada Lei de Liberdade Econômica para estabelecer prazos para resposta aos requerimentos de atos públicos de liberação de responsabilidade da Anvisa em desacordo com a Lei n. 6.360/76, Lei 13.411/17 e Decreto n. 8.077/2013 e demais legislações orientadoras do prazo legal para conclusão da análise dos procedimentos sanitários, tornando, portanto, frágeis os efeitos legais da Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº 416, de 27 de agosto de 2020 que estabelece em seu anexo, a exemplo, prazo de 365 dias para resposta de ato publico de liberação de Registro de IVD Classe III de Risco ou para Certificação de Boas Práticas de FABRICAÇÃO de Produtos Médicos de INDÚSTRIA DO MERCOSUL; assim como outros tantos que acima do que previsto em Lei. Portanto, rompe a barreira da legalidade e impõe prazos superiores aos previstos nas leis já citadas, torando letra morta o §3º do Art. 12 da Lei 6.360/76.
Num segundo momento, por deixar de observar a garantia disposta pelo inciso IX do Art. 3º, a qual preconiza a necessidade de, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo cientificar o regulado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido, sob pena de, não observada tal prerrogativa, aprovação tácita para todos os efeitos, seja o ato de autorização, registro ou certificação.
E, ainda por deixar de observar as prerrogativas dos §§ 1º e 2º, do Art. 13, sobretudo em casos de exigências técnicas, ocasião em que: “O requerente será informado, de maneira clara e exaustiva, acerca de todos os documentos e condições necessárias para complementação da instrução processual”.
Tal interpretação se dá à luz do rol dos incisos I, II e III, do §6º, do Art. 3º, da Lei n. 13.874, os quais definem que: “O disposto no inciso IX do caput deste artigo não se aplica quando: I – versar sobre questões tributárias de qualquer espécie ou de concessão de registro de marcas; II – a decisão importar em compromisso financeiro da administração pública; e III – houver objeção expressa em tratado em vigor no País.”
Por fim, vale destacar ainda que o texto da lei, para todos os efeitos, por força dos inciso I e II do §2º do Art. 10 do Decreto n. 10.178/2019, assegura que a liberação concedida na forma de aprovação tácita (i) não exime o requerente de cumprir as normas aplicáveis à exploração da atividade econômica que realizar ou (ii) afasta a sujeição à realização das adequações identificadas pelo Poder Público em fiscalizações posteriores, ofertando, portanto, segurança a aprovação tácita do ato de liberação de atividade econômica. Em outras palavras, o texto de lei prevê que mesmo diante aprovação tácita do ato de liberação, no caso, registros, certificações, autorizações dentre outros, a análise destes procedimentos continua em andamento podendo ser objeto de exigências e decisões futuras.
O ponto é que, com o advento da Lei de Liberdade Econômica, sob o prisma da livre iniciativa e livre exercido de atividade, o legislador buscou alterar a forma e o prazos para resposta aos requerimentos de atos públicos de liberação, não com o fim de dilatá-los ou estendê-los, mas, aos olhos da eficiência e segurança jurídica, tornar os procedimentos mais ágeis através da desburocratização dos procedimentos à luz da aprovação tácita do ato, como previsto no §4º, do Art. 10, do Decreto 10.178/2019.
* Pedro Cassab é advogado e sócio fundador do escritório Cassab Law – Advogados. Graduado pela Universidade Paulista de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Especialista em Direito Sanitário pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com o Instituto de Direito Sanitário Aplicado com a tese “O Poder Regulamentar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária”. Pós-Graduado em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Auditor Líder (BPF/GMP) RDC 16/13 ANVISA, ISO 13485 e 21 CRF 820 – FDA/USA. Certificado pelo Instituto de Direito Regulatório (IPDR) em Direito Regulatório Farmacêutico, São Paulo. Membro do Grupo de Estudos de Direito Sanitário (GEDISA/USP) – 2020. Integrante do comitê de Políticas Públicas e Regulação Sanitária da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais – ABRIG.