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ANVISA – RDC 266/19 – A Ilegalidade da Decisão de Retirada do Efeito Suspensivo no Recurso Administrativo Sanitário

Por Pedro Cassab e Amanda Cassab

A Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999, definiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, autarquia em regime especial, a qual tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados.

Dentre outras competências definidas pelo Art. 7º da Lei, se destaca a de: “III – estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária”.

É dirigida por uma Diretoria Colegiada, a qual compete, por força desta Lei, em especial: “VI – julgar, em grau de recurso, as decisões da Agência, mediante provocação dos interessados.”

Definida tal premissa, cumpre adentrar à sistemática legal dos recursos administrativos sanitários, sob a ótica regulatória e seus efeitos práticos.

Dispõe o §2º, do Art. 15 da citada Lei: “Dos atos praticados pela Agência caberá recurso à Diretoria Colegiada, com efeito suspensivo, como última instância administrativa.”

O Art. 37 da Constituição Federal estabelece sobre a administração pública, dentre outros, o princípio da legalidade. Também conhecido como estrita legalidade ou reserva legal. Assim: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”. Sendo este um dos princípios norteadores do Direito Administrativo, pois, segundo ele: ” II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (Art. 5º)”

No mesmo sentindo, o Art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro 1999, que define os pilares de atuação da Administração Pública: “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.

Pois bem.

Por força dos incisos já citados (III e VI, do Art. 7º, da Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999), a Diretoria Colegiada editou, em fevereiro de 2019, a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 266, de 8 de fevereiro de 2019, a qual dispõe sobre os procedimentos relativos à interposição de recursos administrativos em face das decisões da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Em síntese, o texto normativo estabelece que o recurso administrativo deve ser requerido mediante protocolo do interessado, com exposição dos fundamentos do pedido de reexame, no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da intimação do interessado, se contra decisão: (Art. 8º).

Traz ressalvas ao recurso administrativo a ser interposto contra ato de cunho condenatório proferido no âmbito do processo administrativo-sanitário e que deverá seguir o disposto na Lei n° 6.437, de 20 de agosto de 1977 (Art. 9º). Como, também, ao recurso administrativo contra decisão decorrente da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993 que deverá seguir o disposto na própria Lei nº. 8.666/93 (Art. 10).

Prevê, portanto, em conclusão, que para o recurso administrativo tirado de decisões técnicas da Agência, em consonância a Lei nº. 9.782/99, em seu Art. 17, “caput”, que: “O recurso administrativo será recebido no efeito suspensivo, salvo os casos previstos nesta Resolução e demais normas correlatas.” Definindo, assim, como regra o recebimento do recurso administrativo com efeito suspensivo do ato, ora impugnado.

Já, o §2º, do Art. 17 da Resolução RDC 266, prevê que nos casos em que ficar evidenciado o risco sanitário, o recurso administrativo será direcionado à Diretoria Colegiada para decisão quanto à retirada do efeito suspensivo. Cria-se, assim, exceção à regra do recebimento do recurso administrativo com efeito suspensivo previsto no “caput” do Art. 17.

Neste ponto é que se evidencia a problemática do tema. Pode, tomando por premissa que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; (II, Art. 5º, CF)”, uma Resolução dispor mais do que prevê a Lei?

Não fosse a decisão proferida pela 16ª Vara Federal Cível da SJDF, em sede de Mandado de Segurança, necessário seria adentrar e aprofundar o tema.

No entanto, a decisão, de agosto de 2020, o MM. Juiz Federal Substituto da 16ª Vara/DF, com fundamento em jurisprudência firmada pela Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região¹, entendeu que: “… constato que o ato impugnado encontra fundamento em disposições da Resolução RDC 266/2019, da ANVISA, norma hierarquicamente inferior à lei ordinária, que não faz qualquer ressalva nesse sentido. Trata-se, portanto, de situação juridicamente insustentável, não podendo prevalecer.”. Fundamentando, então, sua decisão no §2º, do Art. 15, da Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999.

Por uma questão de hermenêutica jurídica definiu, o magistrado, em consonância com jurisprudência assentada do TRF1, que a Resolução – RDC 266/2019 não tem força legal suficiente para afastar o efeito suspensivo do recurso administrativo. Mantendo, assim, o efeito suspensivo até ulterior julgamento do recurso. E mais. Pelo princípio da especialidade, afastou a incidência do Art. 61, da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro 1999, e destacou não existir razão para se invocar a lei geral.

Por tudo isso, a conclusão se dá no sentindo de que o ato de retirada do efeito suspensivo dos recursos administrativos sanitários interpostos contra decisões técnicas da Agência é ilegal e fere o princípio da vinculação dos atos administrativos. Pressupõe, desde logo, imediato afastamento para manutenção do efeito suspensivo até ulterior julgamento do recurso, em última instancia, pela Diretoria Colegiada na forma do §2º, do Art. 15, da Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999.

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¹ REOMS 0057157-62.2011.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 – SEXTA TURMA, e-DJF1 08/05/2020.

PEDRO CASSAB CIUNCIUSKYAdvogado e sócio fundador do escritório Cassab Law – Advogados.  Especialista em Direito Sanitário pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com o Instituto de Direito Sanitário Aplicado com tese: “O Poder Regulamentar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa”. Pós-graduado em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) com a tese: “Defesa da Concorrência e Setores Regulados”. Pós-graduando em Regulação Pública e Concorrência pelo Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (CEDIPRE) (Centre for Public Law and Regulation Studies) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal / Law School of the University of Coimbra, Portugal – 2022. Certificado pelo Instituto Paulista de Direito Regulatório (IPDR) em Direito Regulatório Farmacêutico – 2018. Auditor líder (BPF) RDC 655/2022 ANVISA, ISO 13485 e 21 CRF 820 – FDA/USA – GMP – São Paulo. Consultor para Projetos de Desenvolvimento de Negócios no Setor Regulado de Saúde. Colunista no site Saúde Business com a coluna: “Direito em Pauta” onde aborda questões relevantes do Setor Regulado de Saúde. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP. Ex-membro do Grupo de Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – GEDISA/USP, com abordagem para Incorporação de Novas Tecnologias em Saúde. Ex-membro do comitê de Políticas Públicas e Regulação Sanitária da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais – ABRIG. Forte atuação no ramo do Direito Público, para ações consultivas e contenciosa de alta complexidade nas áreas de Direito Econômico, Regulatório Sanitário, Fiscal & Aduaneiro.

AMANDA CASSAB CIUNCIUSKY TOLONI, – Advogada e sócia do escritório Cassab Law – Advogados. Pós-graduada em Propriedade Intelectual pela Escola Superior da Advocacia (ESA) – 2018/2020. Certificada pelo Instituto de Direito Regulatório (IPDR) em Direito Regulatório Farmacêutico, São Paulo – 2018. Atuação nas áreas de Direito Público, Regulatório & Sanitário, Propriedade Intelectual e Contratos. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP.

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